domingo, 2 de janeiro de 2011



Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

 

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

 

  

-Sabe a garota do copo de água?

- Sei. 
- Se parece distante, talvez seja porque está pensando em alguém. 
- Em alguém do quadro? 
- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, e sentiu que eram parecidos. 
- Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes. 
- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela? Quem vai pôr ordem?
      (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010





O dia foi muito bom até voltar a escutar coisas que há algum tempo estava fazendo um grande esforço para não lembrar...



 "Sua doença e os tratamentos que lhe impunham pareciam-lhe tolos e ridículos. Tratá-la dessa maneira era tão absurdo quanto apanhar do chão pedaços de um vaso partido e tentar colá-los. Tinha o coração despedaçado e queriam curá-la com pílulas e pós?"

Leon Tolstoi



domingo, 17 de outubro de 2010





 


no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski, in: Distraídos Venceremos

sexta-feira, 15 de outubro de 2010





As pessoas sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."

Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem. 

Sophia de Mello




 

"Segunda-feira:
Criar a partir do feio
Enfeitar o feio
Até o feio seduzir o belo

Terça-feira:
Evitar mentiras meigas
Enfrentar taras obscuras
Amar de pau duro

Quarta-feira:
Magia acima de tudo
Drogas barbitúricos
I Ching
Seitas macabras
O irracional como aceitação do universo

Quinta-feira:
Olhar o mundo
Com a coragem do cego
Ler da tua boca as palavras
Com a atenção do surdo
Falar com os olhos e as mãos
Como fazem os mudos

Sexta-feira:
Assunto de família:
Melhor fazer as malas
E procurar uma nova
(Só as mães são felizes)

Sábado:
Não adianta desperdiçar sofrimento
Por quem não merece
É como escrever poemas no papel higiênico
E limpar o cu
Com os sentimentos mais nobres

Domingo:
Não pisar em falso
Nem nos formigueiros de domingo
Amar ensina a não ser só
Só fogos de São João no céu sem lua
Mas reparar e não pisar em falso
Nem nas moitas do metrô nos muros
E esquinas sacanas comendo a rua
Porque amar ensina a ser só
Lamente longe por favor
Chore sem fazer barulho."

Querido Diário (Tópicos para uma semana utópica)
Cazuza